domingo, 27 de julho de 2008

Gabriela Dotto

                  Foi num fim de tarde tempestuoso de sexta-feira. Snape lembrava-se que era este o dia da semana porque eram nas terríveis sextas-feiras que enfrentava sonserinos e grifinórios do sétimo ano, juntos em um mesmo horário. Adolescentes, a pior raça. Cheios de si, arrogantes, patéticos e atrevidos. Pensam que são donos do mundo e que este gira ao redor de seus narizes empinados. Na antipática luta de egos, ele era o ancião incumbido de baixar todas as bolas. Principalmente as grifinórias, que eram as mais altas. Ao final da aula, deixou a sala de Poções nas masmorras e lá ficou toda a sua paciência. O desavisado – para não usar outro termo – Longbottom havia misturado grande parte dos ingredientes do armário que Snape trazia impecavelmente organizado, numa simples tentativa de procurar um bezoar. Ele ainda se perguntava se vinte pontos teriam sido de bom tamanho. Convenceu-se de que não, da próxima tiraria trezentos. Hoje ele nem cogitaria aparecer para o jantar.
                  Não tinha certeza se ainda havia em Hogwarts algum livro literário que ele não conhecesse de trás para frente, mas, esperançoso ele tirou, dos confins de seu baú, a bandeira do otimismo e seguiu até a biblioteca. O som da chuva forte era uma música, ecoando pelos corredores. E ele, oposto de um relâmpago, trovejava silenciosamente, obscuro, esgueirando-se de qualquer possibilidade de interação com quem quer que fosse. Mas parecia ser em vão. Os inconfundíveis passos arrastados logo pararam à sua frente, parecendo felizes por terem o encontrado. E a voz asmática falou antes de ser convidada.
                  — Professor Snape, até que enfim o encontrei. Você nem vai acreditar no que Pirraça fez hoje. Depois dessa tenho certeza que...
                  — Não quero saber, Filch. Saia da frente. — rosnou Snape com grosseria, contornando a molambenta silhueta do zelador e de Madame Nora.
                  Hoje ele apenas iria ler. Biblioteca lotada, grande desgraça. Na verdade o culpado era ele que passara quilômetros de trabalhos para os alunos de todas as séries. Muito bem, era exatamente o que deviam estar fazendo. Ótimo. Estufou o peito e entrou, tentando não chamar muito a atenção. Lançou um olhar de pouco caso a um grupinho de lufanos do primeiro ano que, ele percebeu, prendeu subitamente a respiração. Mal olhou na cara de Madame Pince. O cheiro de livros era uma das poucas coisas que o agradava naquela escola – ainda – e foi quando deslizava aqueles dedos compridos e de pontas meio amareladas em um exemplar de Arsenius Jigger que ele a viu por entre as prateleiras. Ajudava uma menina miudinha e esquisita da corvinal a encontrar algum livro e parecia dedicada em fazer isso com prazer, ainda que atrapalhada em meio a tantos livros. Mas, obviamente, não foi o que ela fazia que chamou a atenção de Snape e sim como ela fazia. E o sorriso. Ele não se lembrava de nenhum sorriso que gostasse de ver. Sorrisos bestas que o enojavam. Mas o dela não, o sorriso dela parecia convidar a boca dele. Ela era linda, o rosto enfeitado com dosadas sardas e moldado por cabelos negros como os dele. Nem tanto. Os dela brilhavam soltos e Snape imaginou qual seria o cheiro deles, o cheiro dela. Precisava sentir. Baixou o olhar para a impecável saia preta, tipo de secretária. Na medida certa ela havia sido esculpida exatamente ao gosto dele, e o desejo estampou o comprido e macilento rosto. Nunca soube exatamente por quanto tempo permaneceu ali, mas foi desde aquele dia que passou a vê-la com outros olhos. Olhos de indisfarçável cobiça. Gabriela!, alguém a chamou.

                  Snape acordou com flashes de um sonho confuso na cabeça e lutou contra a vontade de voltar a dormir, só para ver se voltaria ao sonho. Na noite anterior, adormeceu ao ler pela quarta vez a mesma página de um livro tolo. Nas entrelinhas ele via o rosto dela, como vira pela fresta da prateleira. Ela o chamava com olhos famintos, ele ia. E quando ela começava a desabotoar os botões das vestes dele, os alunos invadiam a biblioteca com Filch, Minerva e Dumbledore. Não, ele sinceramente não queria sonhar isso de novo.

                  A chuva fora embora, deixando um cheiro de terra úmida e grama molhada. Com as imagens do sonho ainda bombardeando sua mente, Snape apareceu para o café da manhã, alguns cinco minutos depois do horário. De um lado, o professor Flitwick, sentado em exatas sete almofadas, comia feliz sua torta de maçã, balançando pateticamente as perninhas no ar. Do outro, Madame Hooch bebia um suco com cara de poucos amigos. Snape agradecia por ela também parecer detestar tagarelar pela manhã. Recusou as novidades gastronômicas que Dumbledore sempre tinha a oferecer apenas com um meneio de cabeça e serviu-se de uma xícara de café, mas antes que pudesse levá-la a boca, Dumbledore se levantou animado. Snape fez um grande esforço para prestar atenção. Então hoje, trinta e um de maio, era aniversário da Srta. Dotto! Interessante. Um mar de palmas se seguiu, as palavras do diretor já não eram mais claras. O queixo apoiado sobre os dedos e um calor que não provinha do clima. Os infinitos túneis negros estavam fixos no olhar jovial da Gabriela.
                  Flitwick comentou alguma coisa inútil com ele, fazendo-o desligar a fonte quase visível de comunhão irresistível entre os olhares. Snape ergueu a sobrancelha e resmungou algo como hum. Quando voltou a fitá-la, ela conversava aos risos com o monitor-chefe da Grifinória. ■

5 comentários:

*ga disse...

Você me faz querer escrever um livro. E tenho dito :)

Unknown disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
J.D.Leal disse...

discordando da srta. acima, eu acho que escreves muito bem, ao contrario de mim... vejo que "gabriela"em sua beleza exótica, singular e extremamente intrigante, faz com que o grande mestre, sinta-se copelido a escrever sobre ela... meus parabéns...

J.D.Leal disse...

pois as semelhanças meu caro... nào sào meras coincidências

Anônimo disse...

Ola Gabriela.

Dificil te encontrar.

Aqui é o Junior do Rio e que morou em NY. Perdi todos os seus contatos e nem acredito que você irá ler esse comentário aqui, porque parece que tem muito tempo que você não aparece por aqui.

Já te procurei em tudo o que é lugar.

caso você venha a ler esse comentário,o meu e-mail é
juniordujorge@gmail.com

A gente ainda vai se esbarrar por aí.

How it's going to end?

Bjs

Basquiat NY

Junior