domingo, 27 de julho de 2008

O encontro depois do baile - parte I

        A experiência de morar sozinho estava sendo melhor do que Snape poderia ter imaginado. O silêncio reinava sem a incômoda presença do pai. Antes do banho, ele já havia organizado a bagunça de frascos e ingredientes que fizera mais cedo no quarto. O pequeno cômodo retangular não era provido de muita claridade. Mesmo quando o sol estava forte, uma árvore que quase chegava a encostar-se na janela retinha todos os raios de luz. E agora, por entre as folhas do salgueiro Snape via aquela tarde que passara pesquisando alguns antídotos chegar ao fim. Ali, em seu quarto apertado, ele reparava em como seu acervo de livros vinha crescendo. Já não cabiam mais na estante velha que herdara do pai. Agora parte deles estava empilhada ao lado da cama de solteiro, fazendo as vezes do criado mudo. Em cima deles, um copo com um resto melado de suco de abóbora pregado ao fundo e alguns farelos de torrada revelavam a única refeição que ele tinha feito o dia todo. Ao lado do copo havia um timbrado envelope verde musgo, que uma coruja parda havia entregado semanas antes. Era um convite endereçado a ele.
        Ao abrir um guarda-roupa feito de cedro, a porta pesada chocou-se com a estante trabalhada em madeira escura. A falta de espaço o irritava mais do que o forte estampido dos móveis. Snape vestiu uma camisa indiscutivelmente branca de mangas compridas por cima da calça preta de veludo cotelê. De uns tempos pra cá começara a se vestir melhor e até usava uma essência amadeirada que ele mesmo tinha preparado. Só iria à festa de Avery por falta de algo melhor a fazer. Apanhou a varinha em cima da cama e a guardou no cós da calça, do lado direito. Olhou inexpressivo seu reflexo no espelho, não via muita coisa além do macilento e pálido rosto, coberto pela cortina de cabelos negros que agora lhe batiam nos ombros.
        Snape aparatou perto de um jardim que conhecia bem, a uns quatro ou cinco quarteirões da casa do amigo. A paisagem exuberante parecia zombar dele, que há segundos atrás se encontrava na Rua da Fiação. Iria caminhar até o local do aniversário para ganhar tempo, não cogitaria a hipótese de ser o primeiro a chegar. Foi quando viu, a alguns metros de distância, que cabelos acaju contrastavam harmoniosamente com o azul do lago. Ela parecia fazer parte da paisagem. Suas pernas não esperaram o comando da mente, quando deu por si, já caminhava silenciosamente até a moça. Com a mão gelada ele tocou o ombro dela, no momento em que se abaixou, inclinando o rosto até ela, sem que, realmente, tivesse chegado à conclusão de que deveria fazer isto. As palavras macias de Lily enviaram ondas quentes que percorreram todo o seu corpo esguio, começando pelos ouvidos.
       – Sou eu, Lily – a voz baixa e aveludada de Snape tocou o rosto dela, perto do ouvido.

2 comentários:

B. Lestrange disse...

Até que escreves bem para uma pessoa tão despresível.

((Aproveite porque a Bella não costuma elogiar!))

' Lil. disse...

Tinha até me esquecido de comentar aqui!
X)
Simplesmente perfeito os seus textos!